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terça-feira, 31 de maio de 2011

Janela aberta

Esconder a tristeza
que tem num rosto feliz.

Porque era tamanha
aquela sina de estar junto,
todo o instante
que se desenhou.

E escolheu a face
mais transparente para brilhar
aquele fio - são córregos
abrindo canions
janela abaixo.

Agora era igual
como um ontem que virá
depois da porta - entreaberta -
que semeou um sinal

para buscar, pela manhã,
a chance dessa certeza

invadir minha vida
porque, assim, eu tanto quis.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

coisa de ontem

repara que em mim
não para o pulsar do meu coração...
depara com o inusitado,
pois amar é coisa de ontem...

domingo, 29 de maio de 2011

onde não mora amor

em calar,
sozinho,
é um breu
que não
escolho
na turva
janela
onde não
mora
amor
nesses olhos
de sem
mar

o silêncio dos inocentes

num país se tolhe tudo.
todo o vento
ao céu, o alento
em tom vermelho.
lá fora, lembranças e escombros,
bandeira sem espelho
derramando orvalhos no chão.
aqui, se pune com um calar
e segue impune
quem silencia a retina de quem viu...

A promessa

A porta fechou-se sozinha, por suplício, por recomendação do vento que trazia o inverno para a sala, que infestada por um aroma de incenso, ornamentava a lembrança, talvez com remorso, talvez por solidão. Deu de ombros por saber que, mais dia menos dia, voltaria a abri-la com sua teimosia de calma. Antes, era tomado por grande comoção, mas já não cria mais na remissão da culpa que imaginava, nunca tivera.

Horácio percebia que precisava continuar. Em casa, entregue à comiseração dos seus atos, desatou a rir, incrédulo. Inquieto, passou a desfolhar o caderno onde guardava anotações importantes. Calçou um tênis preto, dobrou uma folha em branco e a guardou no bolso. Tomou o rumo da rua. A estação ferroviária o recebeu com entusiasmo. Abarrotada de gente, a fila de comprar o bilhete parecia interminável. No velho centro, desembarca espremido entre as gentes de todos os destinos. A banca de jornal trazia alguns noticiários que ficavam pendurados para vender ou propagar os acontecimentos. Uma prostituta com uma blusa em decote deixava os peitos à mostra, convidando para o trabalho de fim de tarde. Uma parede de banco era o ponto escolhido. O homem percebia tudo sem interesse. Já tivera sua alma vendida, não venderia seu corpo por prazer. A mulher talvez vendesse, pois ainda tinha alma. O sebo logo adiante...

Alguns livros de sociologia moderna, literatura africana e poesia brasileira. Enfiava a cabeça entre as prateleiras apertando os olhos através das lentes pelos títulos miúdos. “Na cinza das horas”, de Manuel Bandeira, divide com ele o momento que atravessa. Leva esse e mais outros de poesia. Resolve voltar de ônibus. Via Ana através da janela, as vidraças embaçadas dos prédios refletiam um sol vermelho. Acabara de lembrar que em abril tudo era maravilhoso. E depois, como sempre acontecia em suas histórias, inexplicavelmente, tudo ficava turvo. O olhar sempre fito num ponto invisível que fixava com obstinação. Pensava: “não quero mais saber disso”.

Entre um verso e outro, a vida ia passando. E já se passaram seis anos e outros viriam. Apenas Ana não passava e isso era um gole que saciava a sede ou degolava o coração, que não sabia viver de imprevistos. Queria, talvez, alguma certeza para continuar. Mas não sabia se era ilusão ou a luz do carma que lhe caía mais uma vez, indolente.

as palavras

nenhuma delas,
chão estilhaçado, vento descoberto,
descalça os pés,
desatento - o verso sem tempo
de chegar sem rumo...

verso destilado

a tez embriagada da noite
é um breu que consumo
tendo como acompanhante
um verso destilado de prazer...

poema à parte

uma parte de mim é verso
a outra é desvario.

sábado, 28 de maio de 2011

marés

em meus olhos derramados
bóiam as marés
que não planejei
nesse cais de um dia partir

quinta-feira, 26 de maio de 2011

claro enigma

durante o dia,
é azáfama e fuga
do que me atormenta
a noite: deitar meu sonho
em meu pranto,
olhar o futuro
e ver que não está aqui,
minha pele arrancada
e o frio que me dá,
sozinho,

sem a brancura desse sorrir,
sem me sentir palhaço,
quando foi mesmo
que eu me fiz aço?
procurar em vão,
no infinito,
o mesmo encontro
daquele nosso abraço...

hoje, tenho preguiça
de perguntar:
onde foi mesmo que eu me deixei
partir?

olhos turvos,
nenhuma cor me cingiu de cinza
mais que essa falta
de presente,
ninguém mais sente
essa chuva derramada
que reflete nesse espelho
que só cabe dentro de mim...

domingo, 22 de maio de 2011

encanto

eu, que tenho tanto,
ainda sou pouco
para me esparramar
e cobrir o seu dia.

então, percebo
que um cobertor
contempla mais
o seu encanto

enquanto
fico no meu canto
me cobrindo de voce
sem o espanto
de num instante acabar...

Tibet

Eu estive em todas as ruas...
Todas foram minhas, nuas, vestidas de silêncio,
as muralhas do meu destino, labirinto selvagem
que me cercou, e fui pedra escondida num beco.

O enigma é um azul que saiu do prisma abobadado
que converte o céu avermelhado de fim de tarde
num norte, e é cimo, comboio de pequenos detalhes
que agora me são ricos pelos riscos que acumulo.

Eu vejo, pela estrada livre, sobrevoando meu casebre
com olhos de águia, e a água que jorra do castiçal
e lava o meu corpo, e o cajado dos dias,
a deusa que sonha a divindade nas terras distantes.

É, como antes, o cálice e a fé, a mão que me colhe
em sentimento, e como grão, fertilizo
o que me deixa voar, sem estribo,
uma flecha que me atinge sem direção.

Eu vou, então, pela direção de um olhar
que me guia, sem piscar, pelos caminhos escolhidos,
sem razão, sem o peso de não chegar,
sem a pressa de esperar nesse objeto comum
de amar sem objetivo, apenas
pela causa simples no inesperado de um riso.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

amar a vida
é dizer sim à ida,
ao mar, aguerrida
com olhos de sal,
a tez derramada
em fé
na lateral
de mim...

margarida

amarga vida
é não sorrir

quarta-feira, 18 de maio de 2011

terça-feira, 17 de maio de 2011

considerações de um ébrio

e o silêncio vem depois,
cheio de ressaca e remorso
com uma sede danada,
pois só sei dizer o que sou e sinto,
no mais sou um absinto
enclausurado
em sua essência âmbar de ser,
vê quem tem curiosidade...

segunda-feira, 16 de maio de 2011

outro

e cada poema
é um estio
e uma vadiagem
que umedeço
com meu olhar
que esqueço
na pauta
do alheio

na vertical

apascentada
na placenta de um olhar -
na vertical,
o amor de cada lado
buscando nos lábios
algum encontro
que termine
em horizonte...

domingo, 15 de maio de 2011

confete

na romaria
do destino,
palavras
são como sino
que badala
notícias
pelo ar
de quem
chorava
de quem ria
como confete
caindo
em realidade

sábado, 14 de maio de 2011

a ponte

a rua morde as rodas emborrachadas
e cavalos de ferro relincham
a pressa numa fobia quase santa.

e são tantos vagalumes vermelhos
alertando a noite - e num rumor -
quebram o cansaço num bocejo de silêncio...

ah, a senhora! a senhora escarlate!
e ornamenta o seu lábio
com um rubi de liquidação,
a cera onde escorregam os beijos de ontem.
O
a porteira que avista os homens,
dependurada, pêndulo inerte pelo céu cinza,
é uma estrela que chora sangue,
inibindo essa libido,

é um girassol que premedita,
num crepúsculo, essa linha de chegada,
que refloresta esse ímpeto de partida.

e o fim do dia é uma ponte distraída
que liga as duas partes da vida pelas margens
e é sonho, lida, carrossel de ilusão.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

tijolo

extrair um caráter de si mesmo, é construir uma obra a partir do que se experimentou de água e sal, de fel e mel num cotidiano mais ou menos agridoce, na ruptura de um verso, na queda de uma ruína, na perpendicular possibilidade de um encontro consigo mesmo. sim, caráter é um tijolo sobreposto um no outro, dia a dia, numa parede sem reboco, para que todos o vejam belo ou feio numa tentativa de ser gente, sem mimetismo, numa sociedade feita de cimento.

terça-feira, 10 de maio de 2011

O cais

Com a moça deitada no convés do barco, olhava adiante aquele mar adentro, com a sensação de estar incólume de grandes complicações, por conta da garrafa que nada continha além da falsa impressão de segredo. Seus olhos miúdos espichavam contra o sol, que refletindo como um espelho nas claras águas da baía cegava-o causando-lhe irritação. De quando em vez, varria os olhos sobre a mulher que, com a blusa manchada de vermelho pelo sangue que caíra da testa, parecia dormir. Percebia o rosto empalidecido com os lábios roxos dando-lhe uma aparência de quase morta. O velho marinheiro então reunia as forças poupadas com a escassez de peixe, que não lhe permitira pescar nada, e remava em direção ao cais. Parava abruptamente, exausto, passando as mãos pela testa tostada de sol, erguia a cabeça e respirava profundamente como se quisesse tomar todo o ar em volta do oceano. Bocejava, e tomava os remos em suas mãos impelindo o barco para frente. Dali, do meio do nada, observava as falésias e as admirava com certa devoção e medo. O sol que baixava sobre o horizonte ao longe, fazia-o lembrar que tinha de voltar para casa. Teria de explicar a companheira de mais de vinte verões, que não conseguira pescar nada naquele dia sem milagres. Da mulher que levava em seu barco nada sabia. Nem ao menos se estava viva ou morta, pois como estava ocupado em voltar para casa, não podia prestar-lhe socorro ou atenção. Ia lembrado, sem consolo, que tinha de pagar a mercearia do português, senão não haveria comida para o outro dia. Da feiúra da vida, guardava um velho espelho que ganhara numa expedição que fizera nos tempos de marinheiro, onde transportava grãos para a América Central. Foi na Guatemala, lembra, que ganhara aquele espelho. Uma mulher cega o presenteara, pois não adiantaria a beleza diante de seus olhos, se nada conseguia enxergar. Trouxera como souvenir da viagem e pela graça da mulher que, apesar de cega, tecia aos seus olhos uma beleza incomum.
Chegando ao cais, amarrara o barco e jogara a mulher em seus ombros levando-a para o posto médico que conhecia. Os médicos acudiram de prontidão, tomaram os pulsos e detectaram que ainda estava viva. Levaram-na para a enfermaria. O homem, absorto em seus problemas, apenas deixou-a sob os cuidados da enfermeira, virou as costas e foi-se embora para casa lembrando que tinha ainda o dia seguinte para pescar a esperança para sobreviver.



domingo, 8 de maio de 2011

simples

eu amo simples
como um colírio
que apascenta
a dor de um olhar.

sábado, 7 de maio de 2011

sobre a conquista

conquista para mim
é o instante inexato
de perceber em
outro olhar
o mesmo encontro
desesperado
que o dia não planejou,
mas que os corações
teceram pela borda do dia
como se fosse
um único sol a clarear
a vida de dois lugares
num único lugar...

sexta-feira, 6 de maio de 2011

subúrbio

...a palavra surgiu dos meus dedos como um imenso norte no subúrbio desatinado de escrever. vivo no anonimato dos dias, versejo apenas a inusitada experiência de estar vivo. não escrevo uma palavra para agradar ao ego, nem desfazer a índole de ninguém. escrevo porque escrever é uma forma de me desmistificar do mundo, ou inserir, ou inexistir, ou, simplesmente, virar pedra a alma amolecida que não pratico no subterrâneo que meus olhos captam em outros escombros...

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Chuva...

A chuva é uma luva
que conforta o meu riso
com a transparência do dia.
Depois, aprendo
com as luzes
a compreender a razão
de um céu azulado...
Quero-te bem ventania!
Quero-te mais sem razão
para acompanhar
meu segredo de pelejar
o vício de amar um tostão,
de engravidar um desejo
pelo que vejo de sua mania
de chuviscar a alegria
com minha lágrima
de saudade...

quarta-feira, 4 de maio de 2011

sobre o inusitado de amar...

amor,
para mim,
é um
furacão
deitado
no berço
de um
silêncio...

terça-feira, 3 de maio de 2011

areia branca

um coração aberto
onde entram
olhares e bocas
e o mesmo instante
no chiado do dia,
e rio, e chora a porta
avisando da partida
no vão coberto
de Janeiro
a março
de abraço perto
para receber
na estação
da carioca
uma viagem
de ida à
Copacabana
e um fim de semana
para não esquecer
dos tamborins
dos Arcos da Lapa
me avisando num samba
que eu não quero
ir embora
onde, do alto
de Santa Tereza
eu vejo o mar
e a areia branca
repousar
meu grito
num silêncio
que não termina

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